segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Para minha pequena Dorothy

Querida Dorothy;

Hoje mais cedo alguém me procurou. Alguém carregado de sonhos, presságios e inquietude, ele estava um pouco enciumado, mas nem tanto a ponto de contaminar o recado que me trouxe. Bateu a minha porta por volta das 15:30 um amigo seu, e meu também, ele trazia numa sacolinha ambiental reciclável de saco de estopa, um estojo que continha sua história. Ao me entregar, um pouco cabisbaixo com os olhos vertendo um pouco de ciúmes, senti que ele temeu perder o espaço Real a que lhes desposei em tempos idos. Ele apenas me disse: “Não deixe de conhecer isto, uma amiga que caminhou por um bom tempo a procura de casa, leu no paraíso além do Arco-Íris a carta que me enviou e pediu que lhes contasse sua história, porque ela também queria devia ser lida por todas as pessoas que não mataram o anjo que por muito nasceu em cada um de nós.” 

Confesso que não entendi quase nada, recolhi a sacolinha, percebi que não dispunha de muito tempo para cumprir com honrarias e glórias a tarefa a qual respeitosamente teria de executar. Em algum lugar estava escrito que aquele estojo sairia de meu poder em menos de 24 horas como num passe de mágicas e dele restar-me-ia apenas, e nada mais além, que a magia e o encantamento pelos quais ela mesma teria enfeitiçado com tonalidades amarelas, iguais as do caminho de pedras amarelas. 

Ao cumprimento de minhas saudações reais, nossa pequenina majestade retirou-se apanhando o primeiro raio que lhe alcançou o pequeno braço envolto de puro linho belga dizendo que não mais poderia tardar-se, ainda haveria de revolver alguns vulcões e talvez, pelo que não me verbalizou, sua pequena rosa pudesse enciumar-se de sua ausência no longínquo B612. Ao sair, ele disse-me com os olhos marejados que voltaria, e eu sei que volta. Ele sempre volta, ele nunca morre...

Por um instante retive a sacolinha ao peito, afagando o precioso material que ali continha. Ao retirar o estojo, senti um espasmo cortante e pude num súbito instante ver que o azul do céu era quase amarelo, igual ao do caminho das pedras amarelas. Logo, entendi que as tonalidades e cores adéquam-se sempre ao que se dispõe a ver nossos olhos. Quando felizes ou entristecidos, são sempre capazes de ver além do Arco-Íris, se assim desejarmos e batermos três vezes com os calcanhares no exato instante da realização do que projetam os nossos pensamentos.

Quando finalmente abri o estojo, cai em sono profundo e senti que adormecia como se tivesse devorado uma maçã envenenada. Contudo, não estava à espera de príncipe ou princesa, essa alegoria mental fazia parte do encantamento a qual estive eu, e estará qualquer pessoa que abrir este estojo. Qualquer pessoa que não seja grande o bastante para ainda conseguir ver carneirinhos em caixas, talvez por isso o Pequeno Príncipe me entregou a encomenda com um pouco de ciúmes... Sabe Dorothy, será que ele teme que goste mais de você que dele? Ele deve ser muito bobinho mesmo, mas quem não é? Porque será que tememos ser substituídos ou perdidos em algum lugar, ainda que nas trilhas da estrada amarela, quando você já não nos ensinou que isso não é possível?! Não sei, mas me pego a pensar nisso, como quando você pensou não conseguir voltar para o Kansas... O fato, é que você só precisava descobrir sozinha que era capaz. Mas confesse, para mim e para o mundo a que lhe apresento: foi bem mais encantador descobrir com a ajuda dos amigos que você garimpou na estrada das pedras amarelas, não foi? Ah, eu sabia... E eu não vou esquecer, é por isso que estou aqui registrando gratuitamente, no afã daquele ensinamento que nos diz para de graça dar, o que de graça recebemos.

Por falar em amigos, os seus eram bem reais não é mesmo? Tia Em não entende que não foi um sonho, mas nós sabemos que não foi. Você os viu, não viu? Tudo bem que eles estavam um pouco diferentes, mas tudo além do Arco-Íris deve ser um bocado diferente, lá tem cores, aqui não tem; lá tem sonhos, aqui temos presságios; lá tem flores, aqui temos cravos... Acho até que é por isso que vivemos em busca dessa estrada amarela, tentando ver o céu amarelo, o sol amarelo, o ar... Eu sei também, que para além dos que acham que isso é só um sonho, há ainda os que zombam. Mas estes, coitados, encontram-se nas periferias dos caracóis das estradas e não conseguem ver a estrada amarela. Tenhamos apenas pena deles, nada além, eles tem mesmo é que descobrirem sozinhos.

E pensar nos seus amigos, me faz olhar no espelho que refletem os nossos. Veja bem, pequena Dorothy. Quem de nós um dia iria imaginar que haveria um Espantalho sem cérebro, um Homem de Lata sem coração e um Leão covarde? Confundimo-nos tanto nas águas da ignorância que não ponderamos bem o que representa, nos dias de hoje, inteligência, sentimentos e coragem. Bem que o mágico lhes falou não foi?! Lembro-me bem dessa parte, eu estava dormindo, mas não estava sonhando. Gravei para sempre o quando ele disse ao Espantalho: “mas qualquer um pode ter um cérebro. É algo muito comum. Qualquer criatura que rasteje sobre a terra ou que sai pelos mares viscosos tem um cérebro! Mas de onde eu venho, temos universidades onde ensinam muitas coisas, e os homens se tornam grandes pensadores e quando se formam tem pensamentos profundos sem terem mais cérebro que você. Mas eles têm uma coisa que você não tem: um diploma!” Dito isto, o mágico deu ao Espantalho um diploma, para que este lhes confira intelectualidade e racionalidade tornando-o um ser pensante. Entende querida Dorothy? Como eu também não vivo além do Arco-Íris, sou desse mundo, por isso, tenho certeza, mais uma vez o meu, digo... o nosso, amigo Pequeno Príncipe veio me revelar você. O que me preocupa, é se o Espantalho continuará a ser essa pessoa simples, pura e virtuosa, ele foi seu primeiro amigo na estrada amarela. Lembra? Preocupo-me, porque já perdi bons amigos nessas universidades a que se refere o grande mágico de Oz, para essa pseudo intelectualidade que eles falsamente ostentam em seus beneméritos títulos, falsamente conferidos por um grau mais falso ainda de sabedoria ou inteligência, quando muitos, aliás, todos a tem. O que disse pequena Dorothy? Eu não os perdi? Não, não... de fato, eles nunca foram meus, assim como seus títulos não são seus... Espero que eles não descubram isso tarde demais. Espero que descubram a tempo de não assassinarem o anjo que existe em seus corações para saberem que somos todos iguais, todos inteligentes.

Ao Leão covarde, o mágico disse: “meu amigo, você é vitima de um pensamento errado, infelizmente sofre com a triste ilusão de que só porque não tem coragem acaba fugindo do perigo. Você confunde coragem com sabedoria. De onde eu venho, há homens chamados de heróis. Uma vez por ano, eles reúnem suas forças escondidas e desfilam pelas ruas principais da cidade e eles não são mais corajosos que você. Mas eles tem uma coisa que você não tem...” Dito isto, o mágico presenteou o Leão que agora não mais seria covarde com uma medalha lhe conferindo o título de bravura. Quantas pesoas  vestem-se de leão e são mais covardes que um rato? Se escondem por trás de um uniforme ou de uma medalha, porque isto lhes confere poder? Aqui, pequena Dorothy, muitas há. E lhe digo mais, a grande diferença entre essas pessoas e o espelho, é que elas falam sem refletir, quando este reflete sem falar. E você ainda me pergunta no mundo se é mais inteligente o livro ou sabedoria pequena Dorothy? Estás ouvindo muito Marisa Monte, pelo visto você não mudou... O espelho me disse!

Ao amigo Homem de Lata que tanto queria um coração, o mágico lhe disse: “Não sabe o quanto é sortudo por não o tê-lo! Corações só vão ser práticos quando não puderem ser partidos. De onde venho, existem homens que só praticam o bem, o dia todo, eles são chamados de benfeitores, mas o coração deles não é maior que o seu. Mas eles tem uma coisa que você não tem: condecoração!” em consideração a bondade do Homem de Lata, o mágico lhe deu um coração que bate e lhes acrescentou: “Lembre-se meu amigo, um coração não é julgado pelo quanto você ama, mas pelo quanto és amado pelos outros.” Isso é muito forte e profundo não é pequena Dorothy? Acredito que só mesmo com muita inteligência e coragem podemos entender o valor dos sentimentos, o quanto vale ter um coração. Tem pessoas que se envaidecem por coisas pequenas esquecendo que mais importante que ter um coração é saber botá-lo para funcionar em favor do bem. Você lembra que o Homem de Lata chorava todo tempo e que você, o Espantalho e o Leão eram quem enxugavam suas lágrimas para não o enferrujarem? É isto que vale pequenina amiga. Quando você menos esperar não serás avaliada pela vassoura que levou ao mágico, nem pelos sapatos que herdou da bruxa má do leste, mas pelas lágrimas que enxugou, pelo bem que praticou, pelo coração que bateu mais forte em nome da coragem e à favor da inteligência. Acho que vocês são completos, eu até queria ter amigos assim: inteligentes, nobres, bondosos... Psiu, vamos falar mais baixo, senão o pequeno príncipe pode nos ouvir. Nunca se sabe quando ele vai aparecer. Sempre que penso ter crescido, ele desce no primeiro cometa que laça e vem me lembrar que ainda sou muito pequeno para entender as coisas desse mundo. E isso é bem verdade querida Dorothy, mas sei que não estou sozinho, vocês estão sempre comigo, maravilhando a fantasia de proclamar as maiores verdades atemporais para todas as gerações que não cessaram em busca da felicidade.

Fiquei muito feliz em te conhecer e poder com você fazer esta maravilhosa viagem pela estrada de pedras amarelas, lá para além do Arco-Íris, e nela poder encontrar bem mais que um pote de ouro, porque o ouro, sendo um metal nos limita. Precisamos entender é que somos feito do fogo, da terra, da água e do ar como bem cantou um cara que por aqui passou, com certeza ele conheceu você. E olha que graça, você continua jovem, igual à mim, ao pequeno príncipe e a pouquíssimas pessoas que escolheram esquecer de crescer para não corromper nossa inteligência, coragem e amor com do protótipo mundo que nos cerca, afim de seguirmos cantando: 

♪♫ Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu vejo isso por cima de um muro de hipocrisia que insiste em nos rodear...
Eu vejo a vida mais clara e farta, repleta de toda satisfação
Que se tem direito, do firmamento ao chão
Eu quero crer no amor numa boa
Que isso valha pra qualquer pessoa
Que realizar a força que tem uma paixão
Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade pra dizer mais sim do que não
Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo que volte amor
Vamos viver tudo que há pra viver
Vamos nos permitir... ♪♫

2 comentários:

  1. Quem viu a terra gemer, nos dentes do brancos do mar...
    E a laje fria da espuma, a sete palmos do olhar.
    Pisou as curvas do mapa, e os raios do sol nascente....
    Tocou as cordas da harpa, de aço incandescente.
    (temporal - zé ramalho)

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  2. Que texto maravilhoso, até me emocionei ao lê-lo. Parabéns Fernando, bela escrita, continue nesse caminho que chegará longe! Abraçoss!!

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