quinta-feira, 19 de julho de 2012

Eu, Augusto dos Anjos


Habitando o pântano das dores, como bem reza o verso de minha catequese secundarista, Augusto dos Anjos - poeta mórbido e macabro da cientificidade literária (ela existe!) nasceu na Paraíba e cresceu até os quatorze anos no Engenho Pau D'arco, morreu muito jovem ainda no Rio de Janeiro, vitimado por uma pneumonia em 1914.

Sua única obra Eu e outras poesias, está celebrando seu primeiro centenário este ano. Rebuscando em seu vocabulário esdrúxulo para com a inconformidade existencial (ao menos em seus versos) pude reviver os augustos anos de ensino médio quando o recitava nas aulas de Literatura Brasileira. Nesse tempo, algo no poeta me chamava a atenção, certamente o uso das palavras dificéis que na medida em que aguçava a crítica da elegância parnasiana, muito me conquistava pelo desafio de pronunciar palavras dificéis num acrescimo de amostramento em sala de aula aprendendo a ele, apreciar.

Segundo Nietzsche somos algo diferente de nossas obras. Ante esse pressuposto, Ana Miranda em A Última Quimera, revela Augusto dos Anjos como um nordestino diferente de suas poesias macabras. Veja o que ela diz na voz de um narrador masculino:

Ele era assim. Achava que os sofrimentos vem do inferno - e de certo vêm -, que são brincadeiras dos demônios. Tinha uma visão jocosa do inferno. Ao contrário do que pensam dele, era um homem surpreendente bem humorado...

Certamente, a ele foi dado o dom de revestir-se, assim como nós, nos revestimos, vez em quando por alguma idéia, ainda que por vezes so saibamos pensar e deveras sentir, transcrevê-la com maestria versando os limites conscienciais daquilo que somos ou não somos por assim desejar. 

Transcrevo pois, da soberana cabeça do poeta, uma singela homenagem ao seu livro, quase tão desassossegado quanto o de Fernando Pessoa, um soneto, onde eu possa agulhar as mentes daqueles que vagueiam em busca de seu auto conhecimento e resgate íntimo florescendo na solidão atroz dos que executam sua consciência.

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A consciência humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ela entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Nenhum comentário:

Postar um comentário