segunda-feira, 23 de maio de 2016

Pela luz dos olhos teus...


Dali a tempos já havia se revelado uma heroína, não dessas inglesas cujos olhos em tom machadiano se banhando nas águas shakesperianas, diluem-se em leite ante as tonalidades que no Brasil revelam-se inoperantes, mas de um ímpeto abrupto cuja fortaleza se desvela no pretume do olhar majestoso ao observar pela segunda vez uma cena partilhada em crônicas mudas. Silenciosa, da primeira vez me disse marejando os olhos – numa carona, que sentiu seu coração partir ao ver uma pobre senhora apanhando da lata de lixo um lanche para alimentar seu filho colado à barra da saia; o lanche havia sido jogado por alguém da sacada de um prédio e isso bastou para silenciar toda moral da história tornando a crônica mais muda que a das palavras não escritas. Hoje, convicta das voltas que a vida dá, algum tempo depois daquela cena, da simplicidade buscada pelo poeta, inconscientemente até, não sabendo que suas experiências me inspiram, trouxe-me imageticamente a cena mais pura de uma infância transbordada de grandes prazeres, daquelas que não se vive mais, apenas cobiçada de uma sacada, não do mesmo prédio, mas pelos mesmos olhos que preservam o negrume e a essência do coração de menina grande que bate, no embalo do balanço daquele garoto, na mesma intensidade que alcança o frenesi do empurrador, seja pai, amigo, irmão, não importando quem, sem saber que estão sendo observados por outro quem quer que seja, e daquele lugar, n’aquela condição, daria um pouco mais que a volta no quarteirão para tranquilizar-se das asperezas e da dureza da vida real, vivendo apenas como ele: no balanço recôndito de uma algaroba como se fosse o regaço acolhedor de sua mãe. Esse texto não pode continuar, ele precisa ser cristalizado com o mesmo gesto que o olhar perdido divagou-se por quase hora cenográfica, reproduzida em alguns instantes e abraçada a som da canção que invade este ambiente.

domingo, 22 de maio de 2016

Protegendo-me de mim mesmo ou Quem dera fôssemos blindados


, quando me dei a acreditar pelo ribombo da consciência que a possibilidade de se desertar os sentimentos aflora em um plano de equivalência entre nossa inteligência afetiva e as mazelas à que somos acometidos dia-a-dia, ou chamemos de provações, olhei para dentro do oco do bambu e nem sequer pude ver um filamento celular que fosse, antes de mais nada, um sinalizador de vida. Senti medo. Um espasmo fracionado por um instante eterno ondulou vibrante o fio da mais alta tensão existencial do meu ser; percebi então que estava falando de mim e já havia iniciado aquilo que chamam de texto alheio porque não mais me representa, mas que na verdade é apenas o eco da consciência respondendo a si própria, através de gritos mudos, silenciando o desconforto pensante daquilo que não queremos que você entenda. Não se trata, contudo, de subestimar vossas inteligências múltiplas ao cubo e melhores que a ostentada por mim, mas de defender-se das verdades cortantes que negamos à nós mesmos. Por isso escrever é sempre um risco, é o risco de desnudar-se, de dar-vos provas para serem usadas contra nós em algum momento de nossa vida, é um risco porque ao abrir a cortina da janela do quarto pode, à mercê do dia, entrar sol ou chuva. Assim são também nossas sensações – inesperadas, inexplicáveis e até mesmo assustadoras. E podem fazer frio demais, ou calor demais, e esse texto morre aqui, para que não seja eu, o próximo Pedro da história não bíblica desses tempos perigosos em que não conhecemos nem a nós próprios.