quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Um regionalismo mal compreendido em "dezessete"


É possível que não me enquadrando na categoria de leitor cosmopolita na qual prefacia “dezessete”, o senhor Valério Alfredo Mesquita, discorde da desconstrução regionalista à que atém José Sávio Lopes.

Antonio Candido, certamente o maior crítico literário da contemporaneidade – recentemente falecido, nos diz que a literatura é um produção social que se estabelece diante de uma função retroalimentativa e se manifesta por dois vieses: o temático e o estético.

Se do ponto de vista temático, o autor dos romances “São Sebastião da bexiga e o gênesis trinta e oito” e “Quem matou Odilon Peixoto?”, preserva em “dezessete” a despretensiosa linguagem de um brejeiro erudito; do estético então nem se fala! A formatação ensaística das obras de Sávio favorecem pelo discurso direto e indireto livre, a composição de personagens reais e fictícios sob um panorama completamente interiorano, no mais completo “furgere urbem” de um território marginal elástico à civilização moderna pretensiosamente aparelhada à emancipação. Esta, sendo ainda, uma questão de composição espacial, para além do geográfico, se manifesta livremente não só pelas paisagens, mas pelas emoções despojadas em um Mestre Antõe, por exemplo, cantando para um rei nas portas de um castelo nos fazendo através da consciência coletiva, rememorar o reino encantado que tão bem desvelou o regionalista moderno/ contemporâneo Ariano Suassuna.

Dezessete não é um romance metropolitano, bem como – creio, não seja a alma de seu autor; mas um romance histórico costurado pelas vielas da revolução de 1817, “[...] também conhecida como a Revolução Pernambucana ou Revolta dos Padres, tinha como objetivo criar o norte do Brasil, uma república livre do domínio português.” (LOPES, 2017, p. 37), e inaugura, não apenas pelo escaninho cabalístico de estar sendo lançado em 17 (2017), mas pela orquestração dos elementos narrativos e documentos históricos, que segundo atesta o também comentarista da obra Nelson Patriota, um eficaz método de escrita, um modelo de literatura completamente inovador nas terras potiguares: o romance histórico baseado em fatos reais (vide pesquisa documental).

Ressalvo ainda a não submissão a tirania gramatical que preserva nos romances de Sávio o dialeto regionalista que contribuem para a preservação da espécie. E como, pois, não compreendê-lo como regionalista? Enquanto professor de Literatura gostaria de me oportunizar destes escritos para esclarecer uma inquietude que recorrentemente vem à tona: O que é ser regionalista? Anos passamos estudando em método decorativo autores pertinentes a essa categoria. Escritores como Euclides da Cunha, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos entre outros e permanecemos presos a geografia do texto e ao período de produção, apenas. No entanto, esse pensamento é muito pequeno e provinciano, e nada cosmopolita! O regionalismo não está restringido ao nordeste, nem muito menos ao cangaço. Cada estado/ região de um lugar é por si regionalista, absolutista em sua cultura e sobretudo em sua linguagem. Não há razões geográficas nem literárias para não considerar “a hora da estrela” de Clarice Lispector, por exemplo, um romance regionalista. O processo migratório da personagem é o mesmo dos retirantes em “vidas secas”, de Graciliano Ramos, a situação existencial é que muda, e isso é atendido conforme as verdades de cada época.

Em outras palavras, por mais fiel que Sávio tenha sido, ao estabelecer em seu propósito romanesco o reconto de fatos reais, há um distanciamento dos fatos em ebulição na mete de um novelista e, dentro dessa chaleira, uma xícara é servida em cada capítulo fundindo-se o real e o imaginário na perspectiva mais congruente da literatura: a universalização.


Da freguesia de Pau dos Ferros
Fernando Júnior, 07 de setembro de 2017.
Data em que morreu o tirano General Luís do Rêgo Barreto, nomeado por D. João VI comandante da repressão que massacrou os pernambucanos em 1817.




Nenhum comentário:

Postar um comentário